terça-feira, 22 de setembro de 2009

Lembranças amarradas com barbante

O dia insistia pela fresta da janela,

Projetando na parede o negativo

Das minhas esperanças inseguras.


Fragmentos da noite anterior

Entrelaçavam os dedos

Formando um caleidoscópio digressivo,


Que tingia de combinações de cores

Que não sei o nome,

O sorriso que me escapava aos lábios,

E o desespero não digerido

Que me pressionava o esôfago.


Minhas pernas tremiam

Como entidades alheias ao meu corpo,

No ritmo constante do marcapasso

Que evita as taquiarritmias do meu avô.


Digitais desfocadas

Procuravam o contorno escarpado

Do corpo Dela nos fios do edredom,

Como insetos que buscam

O perfume das flores fora da estação.


A noite havia terminado.

O dia teimava em insistir pela fresta da janela.

E num derradeiro esforço de negar hiatos,

Fechei as cortinas e adormeci.


Daniel M. Laks

22/09/2009

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Toda a sinceridade de quando se fala de nenhum

Sempre que chego em casa,

Abro as cortinas para que no vértice da janela,

O desenho dos barcos

Possa encontrar o mar.


Sinto como se expusesse a intimidade

De alguém que não sou eu.

Que é uma mistura de uma

Ou duas pessoas que conheço,

Com outra pessoa que não conheço.

E, de repente, me identifico tanto

Com esse que é um, três e nenhum

Que passo a ser nenhum também.


Às vezes acho que minha infância

Se passou em tom pastel,

Ou amarrada nos fios do bordado da minha avó,

Para frente e para trás na cadeira de balanço,

Enquanto eu dobrava os primeiros balões de papel,

E olhava os doces de abóbora que secavam na sombra.


Tudo era real e a realidade não era fluida.

(acho que nunca foi fluida)

Eu não entendia o sotaque social,

Nem tampouco a pele que as pessoas vestiam

Para sair à rua, e despiam ao chegar em casa.

Não sabia escrever, mas já tinha aprendido

A soletrar os meus desejos.


Nunca consegui enxergar uma linha reta

Entre o que fui e o que me tornei.

Sabe, como os barcos na cortina

E o vértice da janela,

Acho que o olhar se perdeu no caminho

E chegou atrasado ao objeto.


Daniel M. Laks

10/09/2009

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A cidade dos homens de pés juntos

A cidade dos homens de pés juntos

É onde existe paz no mundo.


Todo mundo que lá habita

Teve sua história antes de chegar,

Antes de encontrar a paz

Na cidade dos homens de pés juntos.


Tem o jovem, que para agradar a mãe

Dizia querer ser padre.

Engravidou a vizinha de treze anos,

E hoje mora no portal de entrada.


O moço que sempre foi ateu,

Hoje tem na sua morada

Uma pequena passagem,

Muito bonita do Novo Testamento.


A moça que era florista

E lia poesia romântica no trem,

Em busca de paixão na vida

Traiu o marido e abandonou os filhos.


Todo mundo lado a lado,

Cada um com seu pedaço de chão.

Nesse pedaço de chão,

Que forma a cidade dos homens de pés juntos


Lá ninguém tem preocupação:

As flores crescem para todos,

Os anjos olham por todos,

E todos compartilham a paz.


Essa paz com umidade de terra,

Com cheiro de decomposição,

Com ritmo de uma dança de larvas e vermes

De quando nada mais importa.


A cidade dos homens de pés juntos

É onde existe paz no mundo.


Daniel M. Laks

09/09/2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Frases furtadas, latências e exercícios imaginativos

Escuta, você quer mais uma bebida?

Dizem que o whisky

Adormece as ânsias do corpo

E o pânico que flutua das palavras inúteis.


Entre esses dois espelhos,

Esses infinitos quebrados

De cadeiras mancas que dançam uma valsa lenta

Até abraçarem as pernas.


Por agora somos apenas estátuas:

Dois olhos que não se vêem,

Duas mãos paradas em copos trêmulos,

Numa fibrilação fora do compasso dessa valsa.


Depois podemos sair em busca de outra coisa.

Algo que desloque a angústia das feições,

Ou esse acento circunflexo dos sorrisos.

Um rasgar seu ventre por uma noite apenas.


Sabe, como a cordilheira estendida do seu corpo

Para deitar minhas esperanças envergonhadas.

Depois sairei pela janela, na leveza penosa

De um pássaro que não aprendeu a voar.


Daniel M. Laks

02/09/2009