segunda-feira, 19 de julho de 2010

Breves interrupções cotidianas

Dois dedos trêmulos apertam o cigarro.
Os lábios se separam pela língua que passa
Como se quisessem dizer algo,
Como se o homem não aniquilasse o homem
Numa pulsão entre o som e o silêncio.
E o vidro da garrafa distorce o negro do mundo
No espelho branco das córneas
Enquanto o olhar repousa sobre o gesto suspenso.

Daniel M. Laks
19/07/2010

sábado, 17 de julho de 2010

Algum dia serei completamente indiferente a você

desenho de Marco Lourenço



Faz tanto barulho em volta que fica difícil escutar.

É algo sobre o branco dos olhos que não choram

Ou sobre o peso das palavras,

Que pra mim são metálicas, e com você ventania,

Tornam-se um tanto oxidadas.


O mais difícil de abrir os olhos

É se acostumar com a luz.


Eu sou foto fóbico,

E lentes escuras na frente dos meus olhos

Me dão uma certa dor de cabeça.

Além disso, no meio de todas as minhas sombras

Fica difícil entender que você foi e sempre será apenas ilusão.


Daniel M. Laks

17/07/2010

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O corpo cansado procura o lugar onde os olhos não precisam do corpo

Quase ninguém percebe nada.

A beleza das coisas que têm quando belezas são

Passarinham-se como o vento.


O aprendiz de carpinteiro passa o descanso

Talhando ondas num pedaço de eucalipto,

Imaginando o oceano de dentro.


De mares mais profundos e horizontes mais largos

Enquanto o movimento das marés não se torna folha fina

Sob os postes da cidade disfarçados de luar.


O cansaço das pálpebras aperta os olhos

Num breve piscar que divide a luz em raios finos,

Para depois desabraçá-la do asfalto.


Até que mais um dia desponte na barriga do mundo,

Deixando no chão somente o umbigo,

Cicatriz cavada funda na terra.


Daniel M. Laks

15/07/10

sábado, 10 de julho de 2010

Relações entre o movimento circular e a teoria das cores

Uma garrafa de vinho

Resolve o excesso de sobriedade.

Os outros problemas de tempo

Giram em ponteiros metálicos.


Exatamente igual ao brinquedo de criança:

Envolve com barbante, coloca no chão,

E com um rápido movimento das mãos,

Faz tudo rodar até se tornar azul.


Aquele azul que quase não se percebe.

O segredo é fixar o olhar até a forma deixar de existir.

Como uma correnteza de rio desatenta as pedras

Ou aqueles pedaços do céu que refletem o mar.


Mas eventualmente, as células do corpo humano,

E todo o sistema de redes neurais se renova

Até que não exista mais memória dessas formas

Que viram cores quando rodopiam confusas.


Então compramos relógios de pulso,

Escondemos os olhos atrás de lentes polarizadas,

E vivemos todos os dias numa pressa compulsiva

De chegar a lugar nenhum.


Daniel M. Laks

10/07/2010