quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Se ele falasse outra língua, possivelmente se daria significado em zona de tradução. Projeto deveras árduo e complicado esse de extrair significado. É necessária a mais completa ausência de função prática para a possibilidade ritualística de sentido, além da coragem necessária para a realização das convicções, mais comumente conhecida como certeza, e a sabedoria da apreciação das possibilidades. Entretanto, como o sistema de probabilidades do cotidiano não apresenta a causalidade prevista por modelos lineares, torna-se dispensável a investigação detalhada dos motivos que o levaram a formular essa construção subjetiva. Certamente existe uma palavra em alemão que expressa exatamente esse sentimento tão particular que reverbera nos acordes de sua imaginação nesse momento, mas como desconhece o idioma germânico e seu amplo vocabulário cirurgicamente talhado para situações inusitadamente específicas, decidiu pousar a caneta sobre a folha de papel enquanto levantava-se para preparar uma xícara de café em busca da inspiração presente nos hábitos previstos em sua rotina. Não que acreditasse no conceito específico de inspiração, preferia tratar o assunto como um mito, que conforme tal possui a função da experiência segura de se lidar com os sentimentos humanos. No caso do mito da inspiração o sentimento de fé, que, não por acaso, se fazia ausente do panteão de deuses em sua cabeceira. Havia quatro meses que substituíra os poemas rascunhados em pedaços de papel por longas corridas na orla. Na realidade, primeiro se tornou obcecado pelo silêncio. Tentou elaborar algum tipo de alquimia com o código lingüístico que fosse capaz de expressar mais do que a métrica do intervalo entre as palavras, mas precisamente tudo o que se confessa na ausência dos movimentos labiais. Passou a se decepcionar com seus poemas e recorrer cada vez mais a descrições prosaicas de acontecimentos sem importância. Então começou a correr cerca de oito quilômetros diários. Encontrava um estado interno e inexprimível de silêncio após quinze minutos de atividade, e a vontade de proclamar o intervalo do som foi gradualmente substituída pela dormência surda do Cooper até a completa exaustão do corpo. Lembrou-se da chegada dela em ocasião de um comentário ouvido durante uma palestra. Na realidade, nem tanto som nem tanta fúria, o comentário não passava de uma história acerca de um poema anônimo entregue por um amigo a outro. Nada que especificamente se relacionasse a ela, que chegava de visita ao Brasil em dois dias para passar as festas de fim de ano, senão o fato de ter-lhe dedicado versos sem assinatura. Situação, que por arrependimento extremo, jamais se repetiu em sua existência. Entretanto, como o raciocínio humano irmana a vida na potencia de destilar as coincidências espiraladas do acaso, a lembrança daquele episódio de decepção juvenil acordou uma incerteza com data, hora e passagem de avião marcada dentro dele. Já havia se passado dez anos, e por mais digressivos que os raciocínios e os próprios acontecimentos possam ser, sentimentos renegados possuem a característica adquirida da sublimação ao rápido esquecimento. Entretanto, naquela noite ele não dormiu. Passou a costura do tempo imaginando poder finalmente ser silêncio enquanto redondilha.


Daniel M. Laks

16/12/2010