quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Como se não bastassem as últimas espirais de luz a latejar na atmosfera improvisando o azul, a moça ainda tinha nos olhos o contorno abrupto dos naufrágios. Eu do lado avesso de mim a fabular caravelas de papel rumo ao farol. Nenhuma gota de terra no céu. Apenas minhas alegrias de por do sol engarrafadas em tubos plásticos de tinta preta a lamber o oceano de nuvens. Essa parece um carneiro, essa outra parece um dragão e já esta outra tem um formato de tubarão que aos poucos vai ganhando pulmões e patas e presas de marfim até se transformar num elefante africano que se desfaz tão de repente quanto minhas sílabas relampejadas e já deixa de ser elefante e palavra e nuvem e já deixa de ser peito em brasa embrulhado pra presente em arame farpado. Ainda nenhuma gota de céu na terra. Como se não bastasse o contorno abrupto dos naufrágios nos olhos da moça, as últimas espirais de luz ainda latejavam na atmosfera improvisando o azul. Depois tem pressa que hoje o tempo é líquido e daqui a pouco precipita chover.

Daniel M. Laks
26/08/2011