sábado, 26 de julho de 2014

Existe uma pluralidade enorme no pensamento judaico. Isso pensando exclusivamente na religião judaica, ainda sem colocar na equação a política dentro dos diferentes governos israelenses, que é um Estado judaico. Claro está que um governo específico não representa a totalidade de sua população e muito menos toda uma religião e uma etnia que são muito maiores e mais antigos do que o país em questão e, por conseguinte, qualquer um dos governos deste país. Existem diversas correntes religiosas dentro do judaísmo que defendem interpretações variadas da Torá e adotam hábitos de vida diversos. Tem sinagogas onde a mulher fica separada na parte de trás e acima e não pode ter nenhum cargo litúrgico. Tem outras sinagogas onde homens e mulheres rezam juntos e as mulheres podem celebrar liturgias. Tem judeus que vivem de cabeça coberta e judeus que não usam o kipá no dia a dia. Não podemos achar que só é judeu de verdade quem interpreta desse jeito em detrimento daquele ou quem se veste desse jeito em detrimento daquele. Seria mais ou menos como dizer que só é índio quem vive em oca e de tanga na Amazônia. A religião judaica convive com diferentes correntes de interpretação dos textos sagrados e com diferentes hábitos diários. A interpretação dos judeus ortodoxos do vídeo é baseada na passagem bíblica que diz que a terra santa (eretz Israel) será apontada pelo messias, quando ele vier. Como o messias, dentro da crença judaica, ainda não veio para apontar a terra santa, o povo judeu continua na condição de um povo sem terra. Essa interpretação, entretanto, não exclui um vínculo histórico dos judeus com a terra que pertenceu aos seus ancestrais, na Judeia. Não exclui um vínculo histórico entre judeus e Jerusalém. Da mesma forma que os Muçulmanos também tem um vínculo histórico com Jerusalém e os cristãos tem um vínculo histórico com Belém. São os locais considerados como berços e terra ancestral. Aí que o caldo começa a engrossar e a trama começa a se tornar complexa. Quando o rabino no vídeo fala sobre os judeus não terem reivindicação sobre aquelas terras ele está se referindo especificamente a uma questão contida na Torá, não está considerando povos nativos. Sempre houve judeus sefaradim naquela região e sempre houve diversos outros povos que conviveram com diversas crenças. Aliás, nunca houve um estado palestino naquela região. Gaza fazia parte do Egito e a Cisjordânia fazia parte da Jordânia. As diferentes regiões da palestina eram habitadas por diferentes grupos étnicos, alguns lugares mais homogêneos do que outros. Tinham lugares com maioria de judeus sefaradim, lugares com maioria de drusos, lugares com maioria de beduínos, etc. Aquela região estava sobre domínio britânico desde 1923 até a fundação de Israel. Agora coloquemos no meio de toda essa questão as dificuldades políticas de um Estado nação. Israel é uma realidade, é um país com direito de existência, reconhecido por diferentes nações do mundo (inclusive pelo Brasil) que existe desde 1948. Dizer que Israel é uma invasão me parece um discurso meio vazio. O Brasil foi uma invasão às terras indígenas, aliás, todos os países americanos são invasões a terras indígenas. No caso dos EUA ainda teve a incorporação das terras da Califórnia que pertenciam ao México. A Austrália é uma invasão às terras aborígenes. Em suma, nem toda etnia tem um território no mundo e em muitos lugares etnias diferentes convivem em um mesmo Estado Nação. Muitas fronteiras de Estados separaram etnias. Pensemos nos países africanos, por exemplo. Algumas soluções são pensadas para solucionar a questão Israel- Palestina. As principais, ao que me consta, são dois Estados independentes e um único Estado para os dois. Não acho que, com os grupos atuantes dos dois lados na cena política, podemos propor seriamente a solução de um único Estado. Nem o governo do Benjamin Netanyahu e nem o Hamas estão dispostos à solução diplomática. Dentro de tudo isso, acho que devemos sempre ter em mente que um governo específico não representa a totalidade do povo de um país (já pensou julgar todo brasileiro dos anos 60 e 70 pelas ações do governo militar?). Um país não representa a totalidade do pensamento da religião oficial daquele país (já pensou julgar todos os católicos do mundo pelas ações desse ou daquele país católico?). O vídeo é muito legal para mostrar a pluralidade do pensamento judaico e, na minha opinião, serve para frear o discurso antissemita de que “os judeus estão fazendo na palestina o mesmo que os nazistas fizeram com eles”, o discurso antissemita que justifica as pichações de “assassinos” no museu judaico de São Paulo, que advoga a favor do confisco dos bens de todos os judeus brasileiros como forma de pressão a Israel, o discurso que promove ataques a sinagogas e lojas de comerciantes judeus no Brasil e no mundo. No mais, eu sou contra a guerra e tenho diversas críticas a um governo de extrema direita israelense, acho uma incoerência histórica. Sou a favor de um Estado Palestino que conviva em paz com Israel e que não seja influenciado nem dominado por Israel ou pelo Hamas. Mas acusar Israel de ser o único mauzinho nesse história é desconhecer o Hamas por completo. Advogar que Israel não tem direito de existir e que é uma invasão, ao meu ver, não oferece saída para o conflito. Pelo contrário, só justifica um dos lados como certo no seu direito de reivindicação bélica e, para mim, a guerra não é a resposta. 

Daniel M. Laks
26-07-2014.