terça-feira, 23 de dezembro de 2014

As cidades do Brasil precisam de suas memórias negativas. Para que se possa ver e prestar reverência aos corpos torturados, mutilados, desumanizados e esquecidos pela rotina histórica das nossas urgências. As cidades do Brasil precisam de suas memórias negativas à vista de todos. Para que se possa lembrar sempre o sangue que mancha nossas histórias, dar linguagem e voz ao que há tanto é recalcado e destruir os bustos heróicos que foram erguidos para nossos carrascos. As cidades do Brasil precisam de suas memórias negativas à vista de todos como memórias negativas.

Daniel M. Laks
23-12-2014.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Porque os judeus passaram 40 anos no deserto? Por que cada hora era um que levantava e dizia que era ele que sabia o caminho pra sair dali.

Um judeu perdido em uma ilha deserta constrói duas sinagogas: uma é a que ele frequenta e a outra é a que ele nunca mais vai por os pés.

Eu me lembro dessas duas piadas da minha infância, desde sempre. Acho que são anedotas do livro “Humor Judaico – do Éden ao divã”, mas não sei bem se são. Eu contei como me lembrava, como ficaram em mim desde sempre. Ficou na cabeça de serem do livro, mas talvez tenham sido contadas pelo meu pai ou pelo meu avô. Ou então eu ouvi nesses lugares de sempre. Isto aqui não é um documento de autoridade que está sempre preocupado com leis autorais e genealogias de propriedade. Não importa mais do que saber que são piadas antigas e recolhidas por alguém, que fazem parte de uma antologia de humor judaico desde sempre. E são piadas que eu me lembro desde muito, desde um tempo que agora me parece sempre. Porque o sempre é sempre algo que parece e porque o sempre também sempre muda. E sempre que a gente traz sempre com a gente, a gente vai descobrindo coisas diferentes dentro da mesma coisa. Sempre. Acontece sempre. E aí, agora que eu escuto tanta gente falando “que os judeus fizeram ...” (isso) “os judeus fizeram...” (aquilo). “Os judeus sempre...” Eu sempre lembro das duas piadas e me pergunto: e todos concordaram uns com os outros? Concordaram sempre? Eu penso também nessas piadas sempre que eu escuto alguém, dentro da comunidade judaica, dizendo que precisamos de uma única voz para nos representar enquanto judeus, cada vez mais, talvez para sempre. Essas duas piadas, para mim, sempre falaram de pluralidade de pensamento dentro do pensamento judaico. Sempre falaram da possibilidade de discordar do outro como fundamento. Isso sempre me fez ver a minha herança judaica como um direito ao meu modo de ver o mundo. E sempre que conheci um judeu normativo eu pensei que ele não sabe de nada, quem sabe o caminho pra sair do deserto sou eu e eu nunca mais quero colocar os pés na sinagoga que esse senhor frequenta! E olha que não foram poucos os que eu conheci e os que conheço desde sempre. E desejo sempre que possam sempre discordar de mim, para sempre. Por que é a pluralidade que nos define, desde sempre. E não é um Estado, uma política, um exercito, uma guerra que vai falar por todos nós. Isso nunca! 


Daniel M. Laks
20-12- 2014

sábado, 26 de julho de 2014

Existe uma pluralidade enorme no pensamento judaico. Isso pensando exclusivamente na religião judaica, ainda sem colocar na equação a política dentro dos diferentes governos israelenses, que é um Estado judaico. Claro está que um governo específico não representa a totalidade de sua população e muito menos toda uma religião e uma etnia que são muito maiores e mais antigos do que o país em questão e, por conseguinte, qualquer um dos governos deste país. Existem diversas correntes religiosas dentro do judaísmo que defendem interpretações variadas da Torá e adotam hábitos de vida diversos. Tem sinagogas onde a mulher fica separada na parte de trás e acima e não pode ter nenhum cargo litúrgico. Tem outras sinagogas onde homens e mulheres rezam juntos e as mulheres podem celebrar liturgias. Tem judeus que vivem de cabeça coberta e judeus que não usam o kipá no dia a dia. Não podemos achar que só é judeu de verdade quem interpreta desse jeito em detrimento daquele ou quem se veste desse jeito em detrimento daquele. Seria mais ou menos como dizer que só é índio quem vive em oca e de tanga na Amazônia. A religião judaica convive com diferentes correntes de interpretação dos textos sagrados e com diferentes hábitos diários. A interpretação dos judeus ortodoxos do vídeo é baseada na passagem bíblica que diz que a terra santa (eretz Israel) será apontada pelo messias, quando ele vier. Como o messias, dentro da crença judaica, ainda não veio para apontar a terra santa, o povo judeu continua na condição de um povo sem terra. Essa interpretação, entretanto, não exclui um vínculo histórico dos judeus com a terra que pertenceu aos seus ancestrais, na Judeia. Não exclui um vínculo histórico entre judeus e Jerusalém. Da mesma forma que os Muçulmanos também tem um vínculo histórico com Jerusalém e os cristãos tem um vínculo histórico com Belém. São os locais considerados como berços e terra ancestral. Aí que o caldo começa a engrossar e a trama começa a se tornar complexa. Quando o rabino no vídeo fala sobre os judeus não terem reivindicação sobre aquelas terras ele está se referindo especificamente a uma questão contida na Torá, não está considerando povos nativos. Sempre houve judeus sefaradim naquela região e sempre houve diversos outros povos que conviveram com diversas crenças. Aliás, nunca houve um estado palestino naquela região. Gaza fazia parte do Egito e a Cisjordânia fazia parte da Jordânia. As diferentes regiões da palestina eram habitadas por diferentes grupos étnicos, alguns lugares mais homogêneos do que outros. Tinham lugares com maioria de judeus sefaradim, lugares com maioria de drusos, lugares com maioria de beduínos, etc. Aquela região estava sobre domínio britânico desde 1923 até a fundação de Israel. Agora coloquemos no meio de toda essa questão as dificuldades políticas de um Estado nação. Israel é uma realidade, é um país com direito de existência, reconhecido por diferentes nações do mundo (inclusive pelo Brasil) que existe desde 1948. Dizer que Israel é uma invasão me parece um discurso meio vazio. O Brasil foi uma invasão às terras indígenas, aliás, todos os países americanos são invasões a terras indígenas. No caso dos EUA ainda teve a incorporação das terras da Califórnia que pertenciam ao México. A Austrália é uma invasão às terras aborígenes. Em suma, nem toda etnia tem um território no mundo e em muitos lugares etnias diferentes convivem em um mesmo Estado Nação. Muitas fronteiras de Estados separaram etnias. Pensemos nos países africanos, por exemplo. Algumas soluções são pensadas para solucionar a questão Israel- Palestina. As principais, ao que me consta, são dois Estados independentes e um único Estado para os dois. Não acho que, com os grupos atuantes dos dois lados na cena política, podemos propor seriamente a solução de um único Estado. Nem o governo do Benjamin Netanyahu e nem o Hamas estão dispostos à solução diplomática. Dentro de tudo isso, acho que devemos sempre ter em mente que um governo específico não representa a totalidade do povo de um país (já pensou julgar todo brasileiro dos anos 60 e 70 pelas ações do governo militar?). Um país não representa a totalidade do pensamento da religião oficial daquele país (já pensou julgar todos os católicos do mundo pelas ações desse ou daquele país católico?). O vídeo é muito legal para mostrar a pluralidade do pensamento judaico e, na minha opinião, serve para frear o discurso antissemita de que “os judeus estão fazendo na palestina o mesmo que os nazistas fizeram com eles”, o discurso antissemita que justifica as pichações de “assassinos” no museu judaico de São Paulo, que advoga a favor do confisco dos bens de todos os judeus brasileiros como forma de pressão a Israel, o discurso que promove ataques a sinagogas e lojas de comerciantes judeus no Brasil e no mundo. No mais, eu sou contra a guerra e tenho diversas críticas a um governo de extrema direita israelense, acho uma incoerência histórica. Sou a favor de um Estado Palestino que conviva em paz com Israel e que não seja influenciado nem dominado por Israel ou pelo Hamas. Mas acusar Israel de ser o único mauzinho nesse história é desconhecer o Hamas por completo. Advogar que Israel não tem direito de existir e que é uma invasão, ao meu ver, não oferece saída para o conflito. Pelo contrário, só justifica um dos lados como certo no seu direito de reivindicação bélica e, para mim, a guerra não é a resposta. 

Daniel M. Laks
26-07-2014.

domingo, 15 de junho de 2014

“Uma vez o Juscelino foi vaiado e disse: “Feliz do país que pode vaiar um presidente”. Aí foi aplaudido. Precisa ser esperto para reverter a vaia!” (SIMÃO, José. “Copa! Dilma muda para Palmas”. In: Folha de São Paulo, 14/06/2014). 

Se eu estivesse no estádio, vaiaria a Dilma. Se o Aécio fosse o presidente eu vaiaria mais alto ainda! Que bom que ainda podemos vaiar um presidente sem sofrer perseguição política! Em meio a tantos direitos civis desrespeitados por todos os lados, é muito bom ainda poder ter alguma liberdade de expressão! Queria que mais gente defendesse a liberdade de expressão, mesmo quem não concorda com as vaias. Acho que poder falar é mais importante do que concordar com a mensagem. Vejo os debates políticos se radicalizando e as pessoas orgulhosas de seus preconceitos, por todos os lados. Tem os que dizem, de um lado, que: “isso é coisa de petralha”, “isso é esquerdopatia”, “isso é coisa de preto”. Do outro lado a estereotipagem não é muito diferente: “isso é coisa de coxinha”, “são esses evangélicos manipulados”, “é essa elite branca”. Fica um lado desqualificando o outro através de estereótipos, cada qual com orgulho dos seus preconceitos, sem entender que todos juntos somos um país. Enquanto isso, não discutimos nenhuma proposta séria de mudança, não consideramos as reivindicações dos diferentes estratos da sociedade, não nos importamos com o desrespeito aos nossos direitos constitucionais e nos contentamos em escolher o candidato menos pior para governar o país. Precisamos de mais democracia no nosso dia a dia e a postura autoritária de desqualificar o argumento do outro através de estereótipos não ajuda em nada!

Daniel M. Laks
15-06-2014.

sábado, 14 de junho de 2014

Vejo as pessoas muito mais revoltadas com as vaias contra a Dilma do que com as prisões arbitrárias de jornalistas, professores e manifestantes. As pessoas estão mais revoltadas com vaias em um jogo de futebol do que com o fato de pessoas no exercício do seu trabalho ou no seu direito de manifestação terem sido torturadas por policiais militares. Ví falas de políticos diversos sobre o absurdo de se vaiar a presidenta, não vi nenhum vídeo de representantes públicos exigindo a punição exemplar dos policiais que prenderam arbitrariamente e espancaram professores, prenderam arbitrariamente e espancaram a jornalista que fazia cobertura da manifestação, dos policiais que assassinaram a Claudia e tantos outros. Alias, lembro do depoimento da nossa presidenta quando um policial tomou uns tapas dos Black blocs exigindo punições exemplares para estes. Gostaria de ver, por toda a história da Dilma, ela como protagonista da luta pela necessidade de se punir exemplarmente policiais assassinos e torturadores, policiais que forjam flagrantes e fazem prisões arbitrárias! Expulsar da corporação e prender! Afinal, bandido bom é bandido preso! Por favor, corrijam-me se eu estiver equivocado. Se houver um depoimento da Dilma, do Lula ou de outro político que se importe mais com tortura, prisões arbitrárias, estilhaços de bombas, assassinatos diversos nas comunidades e com a necessidade de expulsar e punir exemplarmente esses bandidos fardados que chamamos de polícia militar, por favor, compartilhem comigo. No mais, para mim, foda-se que vaiaram ou aplaudiram durante uma partida de futebol. Foda-se se era todo mundo branco ou se o Cafu e outros negros estavam também neste setor da arquibancada. Foda-se tudo isso, porque tem gente sendo presa arbitrariamente, tem gente sendo torturada, tem gente sendo assassinada. Tudo isso por agentes do estado e isso me revolta muito mais do que vaias ou aplausos em uma partida de futebol!

Daniel M. Laks
14-06-2014

sábado, 17 de maio de 2014

Escrever é a arte de encontrar caminhos possíveis

Daniel M. Laks
17-05-2014.