quarta-feira, 26 de maio de 2010

das cartas não enviadas

Será que algum dia a gente vai se encontrar e conversar sobre o que aconteceu? Eu tenho passado bem a maior parte dos dias, às vezes não o dia todo. As manhãs têm sido especialmente difíceis.


É que o silêncio sufoca a gente O silêncio sufoca O silêncio.

Não me sufoca, acho que também não te sufoca. O silêncio sufoca a gente.


Será que existe a gente?

E existindo a gente, será que fomos felizes?

Eu acho que a gente foi feliz. A gente foi feliz? Você foi feliz?


Casas, carros, pessoas tão pequenas. Vapores, fumaça nas retinas e a cota justa de


Não escrevo a palavra


Como traduzir?


A culpa é do papel, a culpa é do vértice da página, da esferográfica, da tinta preta que prefere representar a experiência.


Eu desesperado para sublimar tudo isso.

Eu aprendiz de passarinho.


Duas frases de resposta. Quantos metros de tinta têm duas frases de resposta? Alongado as letras redondas, a minha carta tem quinhentos e vinte e oito metros de tinta. De que servem quinhentos e vinte e oito metros de tinta? Eu que uso perguntas que não são minhas, perguntas lidas em livros de personagens impossíveis, perguntas que tornam-se minhas quando as escrevo, quando as tomo como minhas, mastigadas e regurgitadas.


Tão estranho um abraço daqueles que dispensa as palavras

Tão estranho eu dispensar as palavras

Não sei dispensar as palavras


Eu tenho passado bem a maior parte dos dias, exceto pelas manhãs eu tenho passado bem a maior parte dos dias.


É só que às vezes eu lembro tanto de você, eu lembro tanto da gente

Eu antes não lembrava da gente, eu convivia com a gente, eu convivia com você, fazia parte do meu presente.


Acho que a gente só se lembra do passado, daquilo que já não é mais.


Não tinha entendido até agora que lembrar faz parte de esquecer


Daniel M. Laks

26/05/2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Lembranças, influências estilísticas e objetos perdidos

Eu hoje passei pelo mirante da praia do Leblon e, de repente, lembrei de você com aquele casaco azul que a gente perdeu. Aquele casaco que quando você encosta na mureta a onda faz sombra na pedra e


Eu tremendo os dedos, tremendo os lábios, pensando em pegar um cigarro, juntando os dentes, olhando pros seus lábios.


Eu hoje passei pelo mirante da praia do Leblon, e é engraçado porque eu passo por ali todos os dias voltando do trabalho, mas hoje eu vi você com aquele casaco azul, antes da gente ter perdido no hospital psiquiátrico, e quis ir correndo pra casa te ligar. Quis ir correndo pra casa tirar do meu corpo o cheiro da mulher que eu dormi depois que você foi embora, e te ligar só pra dizer que eu hoje passei pelo mirante da praia do Leblon.


E talvez você me perguntasse se eu não passo por lá todos os dias, e eu ficaria meio sem ter o que dizer, e pensando agora, realmente soaria falso te ligar só pra te dizer que eu hoje passei pelo mirante da praia do Leblon e, de repente, me veio a sua imagem com aquele casaco azul. Eu acabaria me desculpando por pedir que você fizesse do meu desespero a sua prioridade,


Lembra, naquele dia?


Depois, meio sem graça, perguntaria algo banal, ao estilo, como foi o chope com a Marininha? Depois vocês foram para algum lugar? E por você me conhecer tão bem entenderia naquela última combustão de voz, naquela impossibilidade de relaxamento das cordas vocais


Você ainda dorme cedo?


Você tem passado pelo mirante da praia do Leblon?


De forma que eu acho melhor não te telefonar a essa hora, até porque você dorme cedo, você acorda cedo, e a gente já perdeu o casaco azul, a gente já perdeu a sombra que a onda faz na pedra


Realmente, deve ser melhor não te telefonar a essa hora. Deve ser melhor não te telefonar a nenhuma hora


Mesmo na hora que eu passar pelo mirante da praia do Leblon, olhar pro mar e ver você com aquele casaco azul e a onda, fazendo sombra na pedra.


Daniel M. Laks

17/05/2010

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Dos efeitos corrosivos do suco de limão


Não sei se eu aqui sou eu.

Estou mais para um tipo de mosaico,

Daqueles de espelho de banheiro.

Retalhos do que me identifico formando identidade.


Marcas textuais,

Grifos meus,

Palavras roubadas do dicionário,

E uma ausência sufocante de presenças.


Tantas coisas se misturam

Na minha cabeça, nesse momento.

Eu hoje falei com Ela

E é dia de lua nova.


O céu estava escuro,

Porque é difícil ver

Estrelas em Copacabana,

E a garrafa de vinho acabou de acabar.


Os labirintos da cidade onde moro

Não tem fios de lã para encontrar a saída.

Apenas cabos de alta tensão

E um emaranhado de pombos equilibristas.


Se eu tivesse olhos pontiagudos,

Furava a indiferença das coisas,

A palidez desse retângulo de árvore morta,

Para encontrar alguma coisa perdida em mim.


Acho que procuro subjetividade exilada,

Sem renunciar a potência das paixões.

Mas prefiro me sujar de tinta

A me purificar pelas palavras.


Daniel M. Laks

14/05/2010

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Duas quadras efêmeras

O nosso amor teve jeito de quase,

Gosto de sica que seca o dente,

De interrupções, e de acidente

De acidez acometido.


Foi ponto de interrogação ao final da frase,

Fruta verde arrancada do pé.

Foi tudo o que em si poderia ter sido,

O que de fato Amor não é.


Daniel M. Laks

10/05/2010