segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Tentei escrever alguns versos, mas acabou me saindo algo parecido com uma crônica. Só algum tempo depois pude entender a relação estreita entre essa forma de desenhar letras e o barulho dos ponteiros do relógio. Não sei ao certo se a raiz etimológica da palavra deriva de cronos, mas me parece brilhante que uma das formas mais consagradas de representação do cotidiano derive do próprio tempo. O fato é que acordei com alguma frase, roubada não sei bem de onde ou de quem, e com um pequeno brilho vermelho nos olhos que só pude perceber por um momento, ao me olhar no espelho antes de lavar o rosto. Depois de duas esfregadas de mão com sabonete neutro minha intelectualização emocional escorreu concentricamente para o ralo da pia e pronto, o início do meu poema esvaiu-se lentamente até que meus olhos tivessem novamente as cores do dia anterior. Passei algum tempo pensando se meus olhos teriam a mesma cor caso a página do calendário em cima da mesa da sala fosse diferente. Entende a pergunta? Se antes de dormir eu tivesse mudado a página do calendário para o dia de hoje, será que meus olhos, depois de perderem o vermelho reluzente das retinas, voltariam à cor do dia de ontem? Engraçado que o tom era exatamente o rubi que sempre me pareceu postiço nos lábios femininos, talvez porque, na minha cabeça, a febre da raiva, ou a epigrafe de um poema, não combine com a boca das mulheres que disfarçam os beijos de vermelho. Não sei bem. Sei que queria desenhar símbolos que pulsassem uma sensualidade poética, mas acabei escrevendo essas linhas porque os recursos do acaso são realmente inesgotáveis.

Daniel M. Laks
08/10/2010

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