sábado, 28 de fevereiro de 2009

Descontinuidade

Esboçou sarcasmo entre os lábios e riu de si mesmo, como se de repente recuperasse sua sobriedade de idéias. Criara expectativas, plano de ação, diferentes opções para apresentar, havia pensado o dia inteiro no que ia dizer. Agora recobrava a perspectiva descrente que preferira adotar, recebera mais uma confirmação de sua necessidade. Entendia sua parcela de responsabilidade nas decepções, afinal, faltara-lhe inteligência visceral para ler as pequenas mensagens deixadas entre cada abrir e fechar de boca e levianamente deixou-se acreditar no que desejava que acontecesse. Não importava mais, havia preenchido as lacunas de seu desencontro sozinho, e não lhe fazia diferença a exatidão de suas respostas, para ele era tão verdade quanto qualquer outra construção lógica que acreditasse. Pensou na última vez que havia desbravado as barreiras de seu desinteresse alheio e convidado alguém que lhe remete-se a algo genuíno para sair, passaram-se cinco meses. Interrompeu suas abstrações anacrônicas com um cigarro. Algo no gesto de soprar a fumaça lhe garantia um aspecto analítico. Olhou para a garrafa de vinho que comprara, preferiu bebê-la a deixar que avinagrasse por um telefonema não atendido, por um combinado não cumprido. Caminhou lentamente até o armário da sala onde guardava o par de taças de cristal que esperava pacientemente ser partilhado, mas só foi capaz de demarcar a amplitude de sua solidão quando viu uma das taças escorrer por entre seus dedos e se espalhar no chão ocre de taco envernizado.


Daniel M. Laks

28/02/2009

Um comentário:

Anônimo disse...

Se em nada resultaram os desencontros da vida, no mínimo nos aproximaram de pessoas queridas!

Quando continuamos a conversa do ponto onde paramos?

beijos amigos

Naty!