quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Desencontro

Olhou pra ela disfarçando qualquer coisa que pudesse transparecer. Trazia dentro de si uma baixa estima que projetava em tudo para confirmar a necessidade de seu cinismo. Entendia, observando gestos corriqueiros, quase todos que o cercavam, mas nunca havia sido capaz de entender a si mesmo. Talvez por isso tivesse se interessado por ela tão abruptamente, não era capaz de decifrá-la e tinha dúvidas se realmente queria, afinal, porque perder o objeto de seus devaneios? De repente ela se aproximou, contraiu a boca como se fosse sorrir, não sorriu. Perguntou algo que ele não foi capaz de entender. Estava completamente hipnotizado pelo jeito moderado da falta de compromisso da moça, e pela cor do batom em sua boca, que para ele era vermelho, mas na verdade chamava-se magenta, dessas coisas que falta sensibilidade aos homens pra perceber. Ela cortou-lhe a fantasia com uma interjeição. Ele fingiu procurar o telefone no bolso esquerdo, como se talvez a resposta para aquela pergunta estivesse também guardada em seu bolso esquerdo. Por fim respondeu de forma aberta, dizendo um mais ou menos e fazendo-lhe a replica, e você? Não esperou para ouvir resposta, voltou a mergulhar em seus delitos de fragilidade dominante. Observava a maneira como a moça talhava o ar a sua volta com movimentos contidos enquanto roubava toda a graça que conseguia captar. Ponderava se ela seria capaz de entender a maldição de sua beleza. Lembrou-se da fé que mantinha em suas descrenças, por vezes lente pra amplificar seus processos e em outras uma neblina alva para fazê-los desaparecer. Pensou em convidá-la para sair. Se recebesse um sim não precisaria mais de seu cinismo. Mas preferiu mergulhar em sua caneta repleta de cenas e apenas contrair o rosto, sem sorrir.


Daniel M. Laks
18/02/2009

2 comentários:

ana salek disse...

vi que vc botou meu link aqui do lado. obrigada.
como q eu faço pra botar o seu no meu?
bjo

Anônimo disse...

Daniel,

sua capacidade narrativa é espantosa, de muita profundidade e sensibilidade.

Doce, seco, fundo...

Parabéns,
Ana Bousquet