terça-feira, 9 de junho de 2015

O protesto de nenhuma minoria deve ser pautado pelas formas simbólicas da maioria. Não cabe aos brancos legitimar ou não o protesto de negros que lutam por igualdade de direitos numa sociedade racista. Não cabe a religiosos legitimar ou não o protesto de grupos ateus num Estado laico. Não cabe a heterossexuais legitimar ou não o protesto de grupos homossexuais em uma sociedade homofóbica. Não cabe aos homens legitimar ou não os protestos feministas em uma sociedade patriarcal. Não cabe a ateus legitimar ou não o protesto de religiosos em uma sociedade que assegura a todos o direito à livre expressão religiosa.

Quem foi que nomeou os grupos que se sentem no direito de dizer "isso não pode", "assim é falta de respeito e não protesto", "eles não podem usar esse símbolo para dizer isso"? Quem foi que definiu o que cada símbolo pode ou não querer dizer e quais os grupos que podem, legitimamente, utilizar cada símbolo? O arco-íris, por exemplo, representa um símbolo LGBT ou um símbolo hippie de psicodelia? Ou será que representa uma divindade do candomblé? Ou ainda, a aliança bíblica entre Deus e seu povo? Ou representa todas as alternativas anteriores e muitas outras ainda, dependendo dos olhos do observador? E a imagem de Jesus, representa o revolucionário libertário ou o conservador? Representa o discurso da paz ou a justificação para uma "guerra santa"? Representa a hierarquia e o direito de governança legitimado por uma ascendência divina ou o ideal de igualdade entre todos os seres humanos? Em suma, representa uma única coisa ou vive em um constante estado de tensão entre diferentes estratégias de representação, suscitadas por diferentes grupos, para legitimar as suas causas específicas? 

Nenhum símbolo emana um significado direto e unívoco. Esses significados são, antes, atribuídos pelos diferentes grupos para legitimar as suas causas em uma verdadeira batalha por mentes e intelectos. Nos tempos onde as versões e as contraversões convivem em tensão à vista de todos, fica fácil de se perceber como a relação entre um símbolo e uma ideia é uma batalha ideológica. Não vejo nenhum problema em utilizar a imagem da crucificação de cristo em um protesto LGBT (e se visse, também não caberia a mim julgar se é legítimo ou não, se pode ou não), assim como também não vejo nada de estranho na reação de grupos religiosos (também não caberia a mim julgar se a reação de grupos religiosos é legítima ou não). Precisamos entender que a democracia tem que ser inclusiva e priorizar o debate ao invés do silenciamento do divergente. Precisamos também entender que não nos cabe definir quais são as formas válidas de protesto para grupos dos quais não fazemos parte.

Daniel M. Laks
09-06-2015

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