sexta-feira, 10 de julho de 2009

Ricos não têm “pobremas”

Não me lembro bem que horas eram, sei que era de manhã porque estava atrasado e ainda num estado hipnótico. Andei algumas esquinas para esperar o ônibus com um cigarro aceso na mão esquerda como de costume. A combinação de café e tabaco nas manhãs me serve de subterfúgio ao sonambulismo. O ônibus chegou apressado enquanto o cigarro ainda queimava entre os dedos indicador e médio, não estava cheio e pude me sentar na cadeira mais alta da parte de trás. Sempre gostei desse lugar de platéia, um pouco afastado dos pontos de vista e perto da porta de saída. Os lugares sentados foram rapidamente preenchidos por pessoas com planos, assuntos e destinos. Eu seguia apenas a mesma rotina que já não me bastava, ignorando qualquer possibilidade de plano, assunto ou destino próprio, e talvez por isso mesmo me distraísse durante a viagem sendo platéia atenta para a conversa alheia. Nada de muito interessante captou minha atenção por algum tempo, meus olhos transitavam entre as esquinas que passavam pelas janelas e os passageiros que entravam e saiam. As duas jovens sentadas na minha frente conversavam sobre assuntos escolares típicos: garotos bonitos, professores escrotos e uma menina chamada Kelly que estava merecendo uma surra das boas. Comecei a acompanhar discretamente o diálogo das duas estudantes. Em certo momento, como quem interrompe abruptamente um assunto, a jovem perto da janela disse:

- Cara, eu nunca sei quando que se usa poblema e quando que se usa pobrema.

- ih nem, é fácil. Poblema é quando você tá com poblema com seus irmão, poblema com sua mãe, e pobrema é quando é de dinheiro. Pobrema vem de pobre entendeu? Pobre, pobrema.

Confesso que esbocei um sorriso no primeiro momento com a resposta, me pareceu bem engraçada quando escutei, mas depois de algum tempo achei a associação entre pobre e “pobrema” muito interessante e inteligente. Fiquei pensando se essa associação era particular daquela jovem ou se essa diferenciação entre “poblema” e “pobrema” era corrente na linguagem oral de todo um setor da sociedade. Tentei dividir os meus problemas entre as duas categorias, e logo que percebi que meus “pobremas” realmente não passavam de pequenas questões financeiras me pareceu muito claro o motivo de pessoas de menor poder aquisitivo terem uma palavra própria para expressar falta de dinheiro. Afinal, quem tem “pobrema” é pobre.

Finalmente chegou minha hora de descer do ônibus e seguir minha rotina. Naquele dia, graças àquela jovem, a linguagem se revelou um organismo vivo e pulsante. Desses que vivem em simbiose com outros seres e dependendo das condições se transformam pra melhor se adaptarem. E mesmo não sendo feliz com minha rotina, não pude deixar de sorrir ao pensar que todas as condições alheias ao meu preparo, inteligência ou aptidões - essas condições que habitam o domínio da fortuna e são comumente chamadas de sorte ou azar – fizeram com que eu tivesse apenas que conviver com meus problemas, que por estarem amassados e agrupados na mesma palavra, me pareciam apenas uma coisa para resolver.

Daniel M. Laks

10/07/2009

2 comentários:

Taia disse...

E você ainda diz que não sabe escrever em prosa...
Sem mais, beijos e saudades
Naty

Unknown disse...

O mundo se divide entre aqueles que gostam e não de sentar no banco mais alto de trás.
Eu não gosto. É em cima da roda e por isso pula muito. Prefiro sentar-me numa janela no meio mais p frente... Onde eu não sou espectadora de ninguém... Sou mais para personagem da minha própria novela.
Beijos, amigo poeta!
Genial!