sexta-feira, 10 de abril de 2009

Ato descontínuo

Talvez estivesse inspirado pelo sol, que se encontrava na mesma posição do dia em que foi criado - quarto dia da criação do mundo – quando resolveu enviar rosas amarelas para ela. Esperou alguns dias, para que os homens e as próprias rosas fossem criados antes de brindar a indiferença da moça com as flores e um cartão dizendo: Para colorir seu momento de desinteresse alheio em meio a buscas internas. Não continha nenhuma assinatura. Ele preferia não assinar a incoerência de seus discursos, e além do mais, o lirismo platônico intrínseco ao gesto delineava sua imagem melhor do que algumas letras ordenadas no final do cartão o fariam. Eu bem sei que ele não consultou a opinião de ninguém, tampouco informou a qualquer recém criada pessoa que enviaria rosas amarelas para a moça enfeitar seus muros. Não precisava de julgamentos alheios ou avisos prévios para iniciar uma ação que em sua opinião resumia-se em seu arquétipo. Confidenciou algum tempo depois que sabia que seu ato era imprudente e infrutífero, e terminou seu discurso dizendo que se planejasse frutos teria dado à moça uma macieira, nessa semana que o sol inspira o mundo a sentir o fingimento de ser recém criado. Ignorei o cinismo do comentário com um sorriso que expunha meus caninos superiores, depois dei dois tapinhas em seu ombro e ofereci uma dose de whisky para amadeirar a conversa. Sabia que o rapaz utilizava-se de sarcasmo como ferramenta de autodefesa e com a convivência entendi algo que talvez nem ele mesmo tivesse atentado, a ferramenta não servia para se defender dos outros, mas sim de si mesmo. Finalmente disse a ele que acreditava que todas as mulheres gostavam de receber flores, mas nem sempre gostavam de recebê-las de quem as enviou. Desta vez quem expôs os caninos foi ele, mas seu rosto formava mais o contorno de um suspiro de resignação do que de um sorriso. Deu um longo gole no copo de whisky saboreando o silêncio que precedia sua resposta. Ele esperou até que o silêncio compusesse um emaranhado de fios trançados com habilidade, antes de cortar o tecido estendido entre nós dizendo que flores têm o perfume de serem efêmeras. Brincou um pouco com o gelo que derretia no copo circunscrevendo voltas, levantou os olhos e proclamou que o verdadeiro egoísta é aquele que diz a alguém que estava pensando nessa pessoa quando o luminoso celeste abria portas para a recriação e não espera nenhuma resposta ou atitude em troca. Depois devolveu os dois tapinhas no meu ombro e respirou fundo apertando os lábios, até que não agüentou mais conter a sentença que desmentia o palco onde sua segurança era encenada: - Acho que agora a afastei de vez. Nesse momento levantei meu copo em ato solene e propus um brinde à inocência que nos cerca neste momento, pois a culpa e o arrependimento só serão recriados daqui a algumas semanas, quando novamente formos expulsos do paraíso.

Daniel M. Laks
10/04/2009

2 comentários:

diana sandes disse...

um brinde ao resgate das rosas amarelas!

Anônimo disse...

"Ele esperou até que o silêncio compusesse um emaranhado de fios trançados com habilidade, antes de cortar o tecido estendido entre nós dizendo que flores têm o perfume de serem efêmeras. Brincou um pouco com o gelo que derretia no copo circunscrevendo voltas, levantou os olhos e proclamou que o verdadeiro egoísta é aquele que diz a alguém que estava pensando nessa pessoa quando o luminoso celeste abria portas para a recriação e não espera nenhuma resposta ou atitude em troca. Depois devolveu os dois tapinhas no meu ombro e respirou fundo apertando os lábios, até que não agüentou mais conter a sentença que desmentia o palco onde sua segurança era encenada: Acho que agora a afastei de vez. Nesse momento levantei meu copo em ato solene e propus um brinde à inocência que nos cerca neste momento, pois a culpa e o arrependimento só serão recriados daqui a algumas semanas, quando novamente formos expulsos do paraíso."

Eu não te conheço, mas gosto de pensar que existe um pedaço de mim nesse trecho, que é o meu favorito de todo o blog. Perdi a conta de quantas vezes o reli, desde a data em que foi escrito, tentando extrair dele o significado que me faltava na vida.

"-Acho que agora a afastei de vez."

Abdicar é um esforço
Ele, melancólico, esforçou-se
em um movimento firme de alma
que eu cria impossível