sexta-feira, 4 de junho de 2010

O conto da cidade condenada

Amanhã te entrego três blusas, a sua sandália preta, o cachecol vermelho e o guarda chuva. Devolvo todas as suas lembranças locatárias da minha casa. Depois pego meus versos de volta e a cidade desgastada simplesmente desaparece. Tinha que desaparecer alguma hora. Eu sempre vou lembrar da praça e das árvores em volta da praça, das noites de boemia e do amor que poderia ser qualquer coisa e por poder ser qualquer coisa tornou-se incerto. Da incerteza fez-se a ausência, as cascas das árvores em volta da praça enrugaram e as pessoas se tornaram mais distantes, cada vez mais silenciosas até que o silêncio engoliu a cidade inteira. Hoje vive muito pouca gente na cidade e todos que ainda vivem lá sabem que a cidade inteira desaparece amanhã quando eu te entregar as três blusas, a sandália preta, o cachecol vermelho e o guarda chuva. É mais ou menos o que acontece com as flores quando secam, e aos poucos vão se transformando em lembranças retorcidas na mesinha de cabeceira. Parece que todas as coisas belas do mundo são regidas pela lei da metamorfose.

Daniel M. Laks

04/06/2010

2 comentários:

Nanda disse...

Acho que sou amiga de uma reencarnação de Caio Fernando Abreu. E eu amo isso.
É uma reencarnação hetero, mas tão sensível quanto!

Nanda disse...

ah! A jetsul sou eu, a nanda! heheh